Medidas do BC devem acabar com a ''festa do crédito''

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Previsão das instituições bancárias é de que a média de expansão do crédito diminuirá de 20% nos últimos anos para 15% em 2011

Dirigentes de bancos centrais costumam fazer uma piada sobre sua função na sociedade. O objetivo de seu trabalho, dizem, é desligar o som quando uma festa está muito animada. O chiste encaixa-se nas ações que o Banco Central (BC) adotou no início de dezembro para esfriar o crédito no Brasil. Em decorrência das mudanças, a expectativa de bancos e analistas é de que o ritmo de concessão de empréstimos desacelere em 2011.

Oficialmente, executivos de instituições financeiras mantêm estimativas elaboradas entre setembro e novembro, quando prepararam o planejamento para o próximo ano. Por esses números, o crédito terá expansão ao redor de 20%, exatamente na média dos últimos anos. Nos 12 meses encerrados em novembro, por exemplo, a concessão de empréstimos avançou 20,8% – 20,9% entre empresas e 20,8% entre pessoas físicas.

Nos bastidores, profissionais admitem que o aumento dos depósitos compulsórios (dinheiro que fica parado no BC) e o aperto nas regras para financiamento de carros e consignado, entre outras, vão desacelerar a expansão para a faixa de 15% ou menos.

O cuidado ao falar do assunto é explicado pelo fato de que os quatro maiores bancos de varejo do País têm ações negociadas na Bovespa. No momento em que afirmam publicamente que vão emprestar menos, o recado entendido pelos investidores é o de que a expansão do lucro também vai desacelerar. O Estado procurou os quatro maiores (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander) para falar do assunto, mas apenas o Bradesco respondeu.

“Nossa estimativa de crescimento de 20% para o crédito está mantida, porque acreditamos que eventuais reduções de demanda em alguns produtos, como automóveis, serão compensadas pela alta em outros, como consignado”, afirma o diretor do Departamento de Empréstimos e Financiamento do Bradesco, Octávio Lazzari Junior.

O otimismo do executivo toma por base o desempenho esperado para a economia brasileira. Se não vai crescer perto de 8% como em 2010, o ritmo de 2011 não pode ser desprezado. “Ainda continuaremos a ver o ganho efetivo de renda decorrente da mobilidade social”, diz. “Além disso, a taxa de desemprego vai permanecer baixa.”

O analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu, projeta alta do crédito geral entre 14% e 18%. Mas faz distinção entre pessoas físicas e empresas. “As medidas recentes do governo deixaram claro que o objetivo é esfriar as concessões em um dos segmentos (pessoas físicas)”, diz. “Entre as empresas, o objetivo é oposto: como quer estimular o investimento na economia, o governo precisa que o crédito para empresas continue forte”. Por isso, aposta em alta maior de empréstimo às pessoas jurídicas.

Prazos mais curtos. Outro efeito esperado é a redução dos prazos médios dos financiamentos. é algo que os próprios bancos reconheceram logo após o anúncio das medidas do BC. Na prática, ainda não foi sentido pelo consumidor porque as condições de empréstimos pré-acertadas para dezembro não foram alteradas. Por isso, ainda se viu crédito para a compra de carros em até 80 parcelas. A partir de 2011, esse tipo de pacote ficará apenas na lembrança.

Há, ainda, quem diga que a inadimplência, que está em níveis recordes de baixa, sobretudo entre pessoas físicas, vai subir. “Aquelas pessoas que estão penduradas, que recorrem a um empréstimo para cobrir outro, vão ficar sem opção e se tornarão inadimplentes”, diz o diretor de crédito de um grande banco.

Em sua opinião, as estatísticas do setor começarão a mostrar piora dos indicadores de inadimplência a partir de fevereiro. Para Santacreu, o comportamento do calote depende da política econômica (notadamente a fiscal) do novo governo. Ele observa que um ajuste mais forte na área fiscal pode ter efeito contracionista sobre a atividade, algo que, por tabela, elevaria o calote.

Quem também está de olho no cenário fiscal é o BC. Aperto nas contas públicas significa menor pressão de demanda – e alívio na inflação. Se tal panorama se concretizar, o “estragador” de festas pode não se ver obrigado a desligar o som. Apenas a baixar o volume.

PARA LEMBRAR

Medidas já tiveram efeito na economia

Dados preliminares divulgados pelo Banco Central (BC) um pouco antes do Natal mostraram que as medidas para conter o ritmo do crédito já tiveram efeito prático. As taxas de juros que os bancos pagam para captar dinheiro subiram e atingiram o maior nível desde janeiro de 2009, no auge do impacto da crise financeira global no Brasil. Esse cenário indica que as taxas de juros para o consumidor também devem subir – e aparecer em breve nas estatísticas do BC.

As medidas agem em várias frentes. Uma delas retirou R$ 61 bilhões de circulação por meio do aperto dos depósitos compulsórios. A outra é a provável elevação do chamado spread bancário (diferença entre a taxa que o banco paga ao captar o dinheiro e o que cobra ao emprestá-lo). Nesse caso, a diferença se dá por causa do aperto de algumas exigências de capital, sobretudo para os empréstimos de longo prazo.

Fonte: Leandro Modé – O Estado de S.Paulo
Veículo: O Estado de S. Paulo
Publicado em: 02/01/2011 – 10:49